segunda-feira, 28 de abril de 2014

Vestida de tinta


A cada página virada minha roupa muda de cor.
Quando ganho asas e aprendo a usá-las no próximo capítulo meus pés estão ao chão.
Na capa amarela sou bruxa na vermelha sou fada.
Riscam alguns traços da minha personalidade, traçam o meu destino e mudam o sentido da minha caminhada.
A cor dos meus olhos é modificada constantemente.
Cortaram o meu cabelo, me jogaram em terras distantes.
Lutei contra dragões, domei monstros e levei arranhões.
E quando aprendi a viver em terras longínquas me transportam para prédios pichados e buzinas para todos os lados.
E eu já não tenho mais fome, frio e nem medo.
Ela apontou o lápis e tentou riscar mais uma palavra em mim, fracassou.
Mudou a tinta, o papel e eu não me movi.
As páginas foram ficando em branco e outras manchadas de frases falhadas. E mesmo assim eu persisti em ficar imóvel no mesmo lugar. Não porque eu quis e sim porque senti meus pés estagnados, meus pensamentos evacuados.
Na tentativa desenfreada em escrever ela amassou a folha.
Fui arremessada para dentro de hastes de plástico.
Vi minhas várias vidas e histórias ignoradas, guardadas na estante.
Minha trajetória está lacrada nas prateleiras, afogadas na poeira.
Com o corpo amassado vejo, aqui debaixo, ela moldando um novo personagem. Dando tanto movimento até ele estagnar.

Sabrina Stolle

quarta-feira, 16 de abril de 2014

Promessas Falhadas



Os números romanos flutuantes na minha parede controlam o meu corpo, os meus movimentos. Arrastam-me para a rotina, mas não controlam os meus pensamentos. As engrenagens soam como um aviso e os meus olhos insistem em juntar os cílios, mas eu não consigo parar de pensar na cor do céu da sua última noite de novembro e do quanto eu desejei escrever para você. De certa forma eu já sabia que seria a única e a última carta. Tentei de todas as formas te escrever promessas, mesmo que a maioria não fossem cumpridas, tentei dizer mais uma vez o quanto eu a amava.
Lembro-me de que o castanho do meu olhar fitava a casa a procura de qualquer maneira de te escrever. Mas eu nada encontrei. E continuo odiando aquela relíquia no canto da sala, uma velha máquina de escrever com letras faltantes que fizeram minhas promessas falhadas. Mas eu odeio menos a máquina do que a mim, que deixei falhas na minha memória: falta de sorrisos seus.
Os ponteiros agora parecem cintilar mais alto em meus ouvidos, é hora de dormir. Porém continuo me recordado de cada palavra que pensei em te dizer. Em cada promessa tão planejada. Eu largaria os relatórios de domingo e te levaria para viajar. Eu desmarcaria os compromissos em pleno dia de semana e fugiria com você, desligaria o celular e fecharia a agenda e seria só seu naquela segunda feira de sol ou chuvosa. Eu prometi de todas as coisas do mundo sempre escolher você e estar com você, tomando água ou vinho. Eu construiria uma nova casa, e pintaria da sua cor favorita. Compraria também aquela porcelana que vi você namorar pela vitrine. Prometi também tentar não chegar sem avisar e te ver toda vestida de branco na sala.
Prometi que trabalharia menos e que cuidaria mais de você. Prometi que te levaria para ver sua peça favorita e dormiria ao seu lado sem hora para acordar, que tentaria trocar sempre que possível o terno e gravata por uma bermuda e te ajudar a cuidar do jardim.
E enquanto eu pensava em como te fazer feliz o tempo foi passando, a agenda acumulando e você foi se apagando dos meus dias. Quando me dei conta os cinco minutos a mais focados na rotina se tornaram dez, vinte minutos... E naquele dia, olhei pela janela o céu e me lembrei de como você adorava os rabiscos do sol se despedindo e senti saudade do seu cheiro e da sua voz. Então decidi que passaria mais tempo com você e prometeria tudo que deixei de fazer por você e com você.
Naquela noite posicionei-me rapidamente de frente para a máquina e não consegui escrever, não consegui completar tudo que eu sempre quis te dizer e não falei.
A ira fora quebrada pelo toque do celular, uma ligação que fez meu mundo desabar. E o céu nunca mais foi o mesmo, mas sinto você quando olho para ele.
Já não escuto mais o relógio da parede, a cidade permanece em silêncio e minha mente barulhenta, o passado tem me visitado com frequência...
Hoje vou dormir com a janela aberta.

Sabrina Stolle

sábado, 12 de abril de 2014

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A partitura marcava uma melodia feliz. Mas todas as vezes que eu tocava as teclas notas triste invadiam a sala branca com apenas um quadro pendurado na parede. Elas se tornavam agudas e suaves, tudo dependia da intensidade da chuva que caia lá fora. E quanto mais forte as gotas impactavam com o chão mais forte chovia dentro do meu coração. E assim as notas variavam, os picos de saudade influenciavam os movimentos dos dedos. 

Sabrina Stolle

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Hoje as paredes amanheceram diferentes. Talvez seja porque me esqueci de abrir as cortinas e deixar o sol entrar. Ou quem sabe seja um defeito nas minhas lentes de contato. Mas ouvi dizer que a causa é a falta que você me faz. 

Sabrina Stolle.

domingo, 6 de abril de 2014

Identidade roubada



Dissolvia-se feito papel rasgado
Tentava imprimir na folha um pouco de si,
Mas ela diminuía gradativamente.
Passava horas aparando a ponta do lápis fazendo o esboço, preparando as tintas...
E quando finalmente o pincel se aproximava do papel, o puxaram e o rasgavam.
Movimentos ríspidos que faziam a tinta respingar desordenadamente no retângulo branco agora incompleto.
Dos pingos impressos na forma geométrica agora imperfeita,
Tentava ele assimilar a sua face.
Novamente contorciam a folha dilacerando mais um ângulo.
Na ação de expressar-se perdia a voz
Tornando-se a sua obra um borrão sem forma.

Sabrina Stolle