sexta-feira, 30 de outubro de 2015



Era um nariz hostil
O queixo exalava uma aspereza, um pouco inclinado a direita.
E os olhos?
Ah! Estes eram de primavera.

Sabrina Stolle.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

27 de junho



No fundo da casa a televisão fazia a companhia do jantar.
Uma toalha de bordado gasto cobria a mesa.
O prato e talheres deixavam escapar a mancha no tecido, ocasionada por ceias de domingo: timbres de metais que colidiam com risadas frouxas.  
Nas prateleiras livros e periódicos tentavam cobrir portas retratos maltrapilhos que guardavam um tempo feliz.
E a melancolia escorria pela casa. Paredes com rabiscos que resistiram aos adstringentes.
Um quarto de papel de parede desgastado a esquerda. No lado oposto uma boneca esquecida no fundo do armário de um cômodo vazio.  
A luz de um abajur empoeirado iluminava o seu recinto.
Chovia lá fora, chovia dentro da cara franzida.
Carne amargurada vestida com um jeans batido.
A blusa com os botões cerrados até em cima tentavam conter a saudade que guardava por dentro.
Mastigava a comida sem pressa. Tentativa de tardar o dia seguinte.
A noite chegava de mansinho, mas também se ia silenciosamente após uma piscada de olhos prolongada. E de repente, já era 1980 de novo. Mais um ano sem ela, mais uma tentativa de adiar o encontro com a dor.

Sabrina Stolle.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Caixinha temática Dr. House


Esta foi para a Ale.
Produções de uma quinta a noite.

Linie

Andava sobre a corda bamba
Uma linha limítrofe entre neurose e psicose
Dois polos, dois extremos.
Vocalizações que rotulavam,
Cordas vocais que faziam a linha tremer
Os pés oscilavam
entre o certo e o errado
entre o normal e o patológico
"Seja um louco funcional"
"Seja aceitável"
E assim pintou sobre o céu da sua corda o seu próprio mundo.
Sol que sorria
Estrelas falantes
De um lado gritavam "esquizofrenia"  
Do outro, tentavam alcançar o seu delírio.

Sabrina Stolle






Imagem da internet: Rubel




domingo, 11 de outubro de 2015

Joana na corda bamba

Vivia sobre uma corda retilínea
Remendos de bandeiras de festa de São João
Pedaços de cadarços de pés crescidos.
Um chão feito de laços de presentes descartados
Fitas de cetim de vestidos esquecidos no fundo do armário.
Dejetos de sentimentos embaraçados
Emaranhado de saudade, adeus e passado.

E por mais assimétrico que o fio fosse ela caminhava sem medo.
As pernas dançavam no ritmo do vento
Que assoprava fazendo graça
Assoviava canção de primavera.

Ela lá de cima sorria
Enfeitando as estrelas
Colava um riso tímido em uma
Um olhar inocente em outra
E as vozes da noite e de Joana se entrelaçavam
Enlace de pernas e asteróides
Embaralhava as oscilações da superfície da lua com seus cabelos
Os dedos acariciavam os vãos entre a escuridão e a luz
Era um altar que unia ela e a lua de uma forma singular.

Sabrina Stolle.




Imagem: alijardine