quinta-feira, 2 de julho de 2015

Palavras sem timbre



“O que é poesia?”
Questionava o terno preto de passos simétricos e mente difusa.
Mais um dia chegara ao final e como de costume pilhas de relatórios o aguardavam em casa, porém fora um papel preenchido de silêncio que roubara sua noite. Material já desgastado, pelo tempo, ausente de palavras e ao mesmo tempo repleto de discurso; cores que descreviam além de todas as informações e termos científicos dos livros espalhados por sua sala. Resolveu, então, ali ficar.
As luzes da cidade já perdiam seu brilho e lentamente a segunda feira adormecia. Retirou o relógio do pulso guardando-o em seu paletó de fibras perfeitamente alinhadas. Sentou-se ao chão fixando seu olhar, por fim, naquela figura cravada na parede que tanto lhe falava.
Questionou novamente, desta vez em voz alta: “o que é poesia?”
- Poesia é você.
Assustado levantou-se subitamente retornando a consciência: um advogado de sucesso há alguns passos de sua casa, sentado ao chão exposto aos perigos de uma metrópole quase adormecida.
- Óh não acelere seus passos novamente, gosto da poesia que você escreve: Pernas sutilmente alinhadas, costas inclinadas, olhar que grita e ao mesmo tempo acaricia as partículas do cimento; uma suavidade e agressividade que enlaça a vida no imaterial.
 Parou por um instante, olhou para ambos os lados da rua; para frente e para trás direita e esquerda sem nada encontrar.
- Quem é você? Onde esta? Não possuo nada de valor comigo, mas pode ficar com minha maleta meu terno...
Sua fala fora interrompida subitamente:
- Não! Não! Olhe com poesia. Eu gosto da forma como escreve, seus gestos compõem uma das letras mais bonitas que eu já vi.
Apesar de confuso, resolveu abandonar a racionalidade (alucinação? Estresse? Efeitos colaterais de muito trabalho?) e voltou, novamente, seu olhar e atenção para a imagem colada na parede. Direcionando sua visão para a única direção que ainda não havia verificado: para cima, de forma mais poética: para o céu.
E lá estava ela, circulando de um lado para o outro em um fino fio dourado preso suas extremidades em duas estrelas.
Ela pendeu de um lado para o outro, deslizando seu pequeno corpo. Retomou o equilíbrio, esboçou um sorriso solicitando:
- Conte-me mais uma poesia.
Sentou-se surpreendido. Detinha domínio sobre leis, contribuiu com vários seminários, mas nada sabia e dominava sobre arte.
E a garotinha, agora observava intrigada.
- Eu gosto tanto da sua poesia. O jeito que você escreve seus pensamentos e dúvidas nas suas expressões faciais, o seu corpo ora rígido ora relaxado. Faça mais poesia para mim.
Despido de qualquer pensamento voltou seus olhos, enfeitados por sobrancelhas negras mescladas com fios da idade, para a imensidão do céu. Olhou além da garotinha sentada em um fino fio dourado que o fitava com uma expressão passiva e curiosa ao mesmo tempo. Observou a imensidão das estrelas que gotejavam no céu e imaginou os planetas e suas cores, quando de repente, seus olhos que circulavam de um lado para o outro, de cima para baixo, de baixo para cima, fixaram-se em uma única imagem brilhante e de forma diferente das demais, foi assim que iniciou sua fala.
Entusiasmada a garotinha pronunciou:
- Continue, por favor!
E assim ele prosseguiu:
- E ela que se destacava entre os demais permanecia sempre só.
Era noite de eclipse e o céu estava em festa, estrelas formavam pares, dançavam e espalhavam luz.
Ao passo que a lua, contemplava mais um eclipse de sua vida vazia.
Mas algo incomum aconteceu:
Outra esfera brilhante, de forma igual a sua, vindo de outra orbita colidiu com ela. Elas se olharam, analisaram como se uma fosse o reflexo da outra.
A partir deste dia a lua nunca mais ficara só.
Agora eram duas luas no céu, dois feixes brilhosos que dançavam na imensidão azul.
E antes que o homem de terno preto retomasse a realidade dizendo que o que acabara de contar era uma breve história, um conto ou qualquer outra coisa além de poesia, a menina esboçou um sorriso que aumentavam na mesma proporção em que seus olhos fixos nele, gritavam de alegria. E foi sorrindo e sorrindo até que ela e seus lábios viraram estrelas, estas que como um raio se espalharam pelo céu.

Sabrina Stolle